terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O surgimento do Funk Carioca

TEMPOS ATRÁS

HOJE



Tudo começou, começou mesmo em 1982 - quando a Roland lançou a bateria eletrônica TR 808.
Aqueles sons sintéticos, que não procuravam apenas imitar as baterias acústicas, tinham sub-graves (frequencias mais baixas) que não existiam até então em baterias eletrônicas. Logo se percebeu que essas frequencias só eram audíveis em caixas maiores, e a partir daí houve toda uma revolução tecnológica nos sistemas de som dos bailes e clubs. A partir da TR 808 surgiu o estilo miami bass (falamos maiami bêiss), com clássicos como Planet Rock do Afrikaa Bambaataa ou Sally do Gucci Crew.

Grupos como 2 Live Crew já estouravam nos guetos americanos com seu miami bass, todo programado na TR 808, quando djs da periferia ligados no mundo como Marlboro já tocavam e começaram a fazer letras em português para sucessos já consagrados nos
guetos de miami e adjacências. Isso caracterizou a primeira fase do Funk Carioca. (*nota: é importante ver a música com uma visão o mais global possivel, por isso não devemos chamar o funk criado nas periferias e morros do rio simplesmente de “funk”. Funk é um estilo que existe desde o final de 60, e por sinal é bem diferente deste que estamos tratando.)

Nos anos 80, os bailes cariocas foram tomados pelas versões intrumental e só de batidas do miami bass. Sim, sem voz, sem melodia, o baile era somente de batidas. Os bordôes populares começaram a aparecer em coros, em cima das batidas, e nomes como DJ Marlboro passaram a gravar esses bordões e dar o microfone a frequentadores dos bailes candidatos a rappers. Assim surgiu a segunda fase do funk brasileiro, o funk mais espontãneo, retratando a realidade dos bailes, pedindo a paz etc. Mas a violência se instaurou e o funk carioca viveu sua fase mais dark. Depois da repressão da violência e dos proibidôes (funks que faziam apologia à face criminosa da favela), e sob o pretexto de ser um “movimento do amor, e não da violência”, proliferaram os mais escrachados, falando explicitamente de sexo, exatamente 20 anos depois de grupos como 2 Live Crew fazerem exatamente a mesma coisa, exatamente em cima do mesmo estilo de batida - só que em língua diferente.

Hoje em dia, o mundo pop e dos endinheirados está cada vez mais usando o funk como fonte de renda, mais uma vez repetindo o papel de gigolô das culturas de massa. Os compositores pobres continuam na miséria e poucos tão capitalizando (e ganhando a fama) com isso. A classe rica paga bem caro pra ouvir o funk da favela. É um fenômeno interessante, esse de uma cultura mais rica (da favela) dominando uma cultura estéril (da classe rica adolescente).

Adolescentes de alta classe se divertem mimetizando danças que vêm das favelas e cantando letras que não tem nada a ver com sua realidade, talvez como um placebo contra o isolamento social imposto aos ricos, já que não conhecem a realidade da favela. Além disso, o funk carioca serve como uma “licença” para liberar o lado mais sexual e devassado, só que de uma forma aceita socialmente. Licença antes encontrada nos porno-axés apelativos e afins. Essa atmosfera, nas pistas de dança, obviamente não é apreciada pelas pessoas que não gostam ou precisam desse artifício para se expressar, e que não estão interessadas em se expressar de modo tão explícito.

Sobre essa parte que mais aprecio no funk carioca: As batidas. O groove (em bom português, a “levada”). Na minha opinião, o F.C. seria apenas um arremedo, uma xerox brasileira do que é feito lá fora, por exceção da parte onte ele é fundido, musicalmente, com a cultura brasileira. Justamente a parte que junta as batidas com sanfonas brasileiras e batucadas como o famoso maculelê, ritmo afro-brasileiro. A partir disso que o funk carioca se tornou interessante para mim (e para o resto do mundo, que passou a prestar atenção no gênero), pois conseguiu sua originalidade. Por esse lado, o funk carioca é tão brasileiro quanto o samba. E merece respeito.

Hoje em dia, ironicamente, o funk carioca, apesar de ter muitas faces e de ter ótima recepção em todo o mundo, ainda é tratado com preconceito por pessoas que se dizem admiradoras da musica eletrônica. Mas elas esquecem que o funk carioca é a musica eletrônica mais bem sucedida “made in Brazil”…
Será que gostar de música eletrônica é sinônimo de desprezar o Brasil? Não, eu não aceito pensar assim, acho que há mais possibilidades pra novos ritmos criados no Brasil. Há muitos DJs que não gostam de tocá-lo, e muitos produtores que o ignoram, tudo bem, mas que não tenham preconceito. Sem o preconceito, poderiam aproveitar o que gostam no FC e criar algo novo, uma nova fase, um novo estilo. Matéria prima é o que não falta.
E viva a mistura e criatividade brasileira.