Produções de qualidade podem ser realizadas com poucos equipamentos e condições distantes das ideais. Para isso, contudo, é preciso criatividade, conhecimento e bom senso.
Para ter um home studio e começar a produzir os próprios trabalhos é necessário muito dinheiro, certo? Não necessariamente. Basta lembrar que vários sucessos inesquecíveis foram registrados em condições consideradas, atualmente, precárias. A maior parte dos álbuns dos Beatles foi realizada em quatro pistas, com poucas possibilidades de edição. Born In The Usa, de Bruce Springsteen foi gravado em um portastudio Fostex de quatro canais, e Live At Taj Mahal, de Paul Horn, produzido com um Nagra estéreo. Outros exemplos são o DVD e o CD Lighting The Candles, da banda inglesa The Mission, gravados ao vivo com orçamento restrito e poucos equipamentos. No Brasil, podem ser citados os discos Condom Black, de Otto, indicado ao Grammy latino como melhor disco de pop contemporâneo, realizado com uma Digi 001, e Samba, Songs & Friends, do baterista Sallaberry, gravado “pela internet”.
ORÇAMENTO
Iniciar a construção de um home studio, muitas vezes, leva o interessado a perguntar-se quanto dinheiro vai ser gasto para realizar seu sonho. Atrelada a isso, existe a dúvida sobre a necessidade de um local adequado e todo isolamento e tratamento de que ele necessita. Sem falar no projeto idealizado por um engenheiro especializado em acústica. Somando esse investimento ao custo da aparelhagem, parece impossível possuir um espaço de trabalho para a consumação de uma produção de qualidade.
Com a informatização de procedimentos e a cultura da música de massa, porém, cada vez é mais simples alcançar um resultado minimamente competente. “Nem sempre o investimento é monetário.
É necessário estudar e fazer muitos testes e experimentos para saber quais os resultados possíveis”, diz Conrado Ruther, músico, produtor e técnico de áudio. Isso significa dizer que, quando o usuário conhece seu equipamento e sabe o que quer tirar dele, um grande passo foi dado. “Existem muitas produções de artistas nacionais e internacionais, principalmente de música eletrônica, que foram realizadas em notebooks ou em estúdios bem simples. O que conta, de fato, é muita criatividade e um ouvido bem treinado”, diz Marcelo Gallo, também músico e produtor. Eloy Fritsch, coordenador do Centro de Música Eletrônica da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), corrobora essa opinião. “O home studio pode ser portátil, barato, eficiente e seguro. Entretanto, o usuário deve ter um bom conhecimento de gravação e mixagem para obter resultados razoáveis. Portanto, não basta substituir o grande estúdio por um doméstico. Para fazer bom uso dele, informação é necessária.”
Alguns gêneros musicais demandam menos investimentos porque podem ser produzidos inteiramente dentro do ambiente digital, utilizando loops e amostras de áudio já existentes ou captadas (veja quadro). Além da música eletrônica, o hip-hop, o rap e o funk são exemplos cabíveis. Isso ocorre porque, com apenas um computador, é possível criar uma faixa inteira sem depender de nada além de um software que possibilite concretizá-la. Todos os sons são gerados pela máquina, com o uso de sintetizadores e samplers virtuais (veja quadro). “Esses estilos, e algumas de suas variantes, podem ser realizados com custos baixos, se comparados a gravações de instrumentos, que necessitam de mais captação e melhores condições de tratamento e isolamento acústico”, diz Fritsch. O primeiro passo, portanto, para determinar como será um estúdio-projeto é definir qual será o público-alvo da produção e, por conseguinte, qual o objetivo dele.
SOFTWARES
Existe uma grande variedade de instrumentos virtuais que auxiliam a produção: racks integrados como o Reason, sistemas de criação de sintetizadores como o Reaktor, samplers como o Sampletank e o Kontakt, programas que permitem produzir plug-ins como o Max/MSP/Pluggo e vários simuladores de instrumentos como Hammond, Minimoog, CS-80, PPG-Wave. etc. Em geral, todos trazem excelentes timbres de fábrica e, com poucas regulagens, é possível criar o som desejado. Um dos mais usados, atualmente, por profissionais de home studio é o Reason, que traz um estúdio virtual completo, incluindo samplers, mixer, sintetizadores, sequencers, efeitos etc.
Apesar de não gravar áudio diretamente, o software utiliza o sistema Re-wire, que permite a ele trabalhar juntamente com outros programas multipista que aceitam esse protocolo, tais como Live, Pro-Tools, Sonar, Cubase, Nuendo, Tracktion e outros, e que servem como plataforma para a produção.
Vários multitracks acompanham interfaces de áudio e equipamentos, ao passo que alguns podem ser baixados gratuitamente pela internet. Os melhores, obviamente, devem ser adquiridos. E, geralmente, apesar de não custarem pouco, valem o que se paga por eles.
AMBIENTE
Em geral, nas salas profissionais, existe uma infra-estrutura, tanto de técnicos e operadores quanto de acústica, criada especificamente para as gravações. “Muito se comenta sobre equipamentos e a qualidade que pode ser obtida com cada um. Entretanto, aquele que trabalha com isso faz da produção seu dia-a-dia e, naturalmente, adquire experiência maior que o músico. Esse conhecimento especialista leva anos para ser construído e faz uma grande diferença. O recurso humano deve ser valorizado”, acredita Fritsch. A estrutura de um estúdio de grande porte, obviamente, pode oferecer mais precisão de referência e maiores possibilidades para a criação de novas sonoridades, graças às salas tratadas acusticamente. “Mas, ao mesmo tempo, não adianta ter tudo isso à mão e não explorar as possibilidades, experimentar”, acredita Ruther.
Com a miniaturização dos equipamentos - e a adoção de muitos deles em formato de software – poucas são as diferenças significativas entre um laptop bem aparelhado e um estúdio profissional no que tange à qualidade que pode ser alcançada. “No universo do CD (com resolução de 16 bits e 44.1 kHz), não existe disputa na qualidade sonora do produto, assim como no DVD (24/96). A diferença será muito grande apenas no SACD ( 24/192 DSD)”, ensina André Geraissati, violonista e pioneiro desse formato no Brasil.
Apesar da qualidade compatível, os vários recursos de um estúdio bem aparelhado podem facilitar o trabalho. “Em um local desses, pode-se contar com periféricos individuais e dedicados para cada tipo de ação, como, por exemplo, mesa de som, compressores, processadores de efeitos, microfones etc.”, acredita Gallo.
Com o avanço da tecnologia para áudio, porém, com um notebook e bons softwares é possível, facilmente, desenvolver ótimos trabalhos de nível profissional.Nada impede, portanto, que a semente de um estúdio ou o nascedouro de uma obra-prima estejam nos recônditos obscuros de um pequeno aposento. “Com o espaço disponível atualmente nos diminutos apartamentos, até o cantinho do computador na sala ou no quarto pode ser considerado o mínimo necessário para um home studio”, diz Luciano Watase, engenheiro de gravação e produtor. “O importante é ter isso bem definido, para que não haja incômodos durante o trabalho criativo”, complementa.
CAPTAÇÃO
Se o local onde está instalada a estação de trabalho não possui isolamento e tratamento, a captação de instrumentos acústicos ou voz é prejudicada, mas não impossível. “O mais indicado é locar um estúdio terceirizado para tal. Caso não seja possível, deve-se procurar, no próprio local de trabalho, um quarto ou uma sala com o menor nível de ruído externo. Mesmo assim, que fique claro, o cachorro do vizinho vai acabar atrapalhando o projeto”, avisa Gallo.
Nesse ponto, os bateristas, em especial, levam alguma vantagem. Por conta do alto nível sonoro produzido por esse instrumento, muitos já possuem um mínimo isolamento acústico, responsável por permitir horas de estudo sem incomodar os vizinhos. Se não existe essa precaução, alguns paliativos podem ser implementados de forma a minimizar o problema do vazamento de sons externos, tão prejudiciais a uma captação perfeita. Fritsch acredita que tudo depende do tipo de produção e da qualidade que se deseja. “Para gravações profissionais, não há muitas soluções alternativas. Alguns home studios podem funcionar em determinados horários em que o barulho, como os ruídos provenientes do trânsito, por exemplo, seja menos acentuado. Outros podem utilizar cabines portáteis, preparadas acusticamente, para gravações de instrumentos e voz.”
Mas não há nada como a boa e velha alvenaria para isolar locais de captação. Paredes duplas, com material apropriado entre elas ainda é a melhor opção. Se o orçamento não permite uma reforma dessa envergadura, uma boa alternativa é recobrir o aposento com lã de rocha ou vidro e fazer o acabamento com lambril de madeira ou gesso cartonado. E não se deve esquecer das janelas, que devem ser contra ruídos ou, simplesmente, tampadas com almofadas de madeira e material isolante em camadas. Em um estágio embrionário, o tratamento acústico do home studio pode ser esquecido. Não é possível controlar todas as interações acústicas em um ambiente suscetível a intromissões sonoras. E a informática, nesse ponto, não pode auxiliar muito. “Não adianta ter um notebook carregado de softwares se não se dispõe de um ambiente apropriado para realizar a captação”, diz Fritsch.
Além do ambiente mal isolado, equipamentos de baixa qualidade, cabeamento ruim e rede elétrica não planejada, geralmente, são itens que contribuem para que todo tipo de ruído apareça no final. “Isso ficará evidente, por exemplo, no momento em que a produção necessitar de uma gravação com entrada de sinal um pouco mais baixo. E, com certeza, haverá muita dor de cabeça para masterizar o material”, prevê Gallo. “Todo equipamento gera barulhos ao funcionar, possui um piso de rumor constante, também chamado de ruído residual ou noise floor”, ensina Ruther. “Antes de investir qualquer quantia, é necessário verificar itens das especificações técnicas como o próprio noise floor, a relação sinal/ruído (signal-to-noise ratio) e o alcance dinâmico (dynamic range).”