Atire a primeira pedra quem nunca teve curiosidade de conhecer a Vila Mimosa, a histórica zona de prostituição da cidade.
Quase todo mundo já ouviu falar nela no Rio de Janeiro, mas a maioria das mulheres nunca teve coragem ou oportunidade de conferir.
Com mais de 80 anos de existência e atraindo mil visitantes por dia, a zona está longe de envelhecer e já entrou na Era de Informática: há um ano e meio, estreou na Internet o site da Vila Mimosa, link aqui: VM, auto-intitulado o "cartão postal secreto" do Rio.
No site, bem comportado para os padrões da Vila, o internauta encontra a história da zona, um mapa de localização, fotos da década de 70 e atuais, e também das meninas em sessões de bronzeamento artificial e numa academia.
Segundo a M2BR, empresa que criou e hospeda o site, a média ainda é de 15 mil visitas por dia, sendo 30% dos acessos vindos do exterior.Tanta curiosidade não é para menos. Com uma receita bombástica, que mistura boemia, sexualidade e proibição, a Vila Mimosa já recebeu clientes célebres – entre eles o poeta Manuel Bandeira, descrito no site como um dos mais assíduos freqüentadores – e também foi muito perseguida.
Após duas mudanças de endereço por ordens do governo, ela funciona hoje na Rua Sotero dos Reis, pertinho da Praça da Bandeira (Zona Norte do Rio).E é muita mulher junta. Para se ter uma idéia, ninguém sabe ao certo o número de prostitutas que trabalham na vila. O rodízio de meninas é muito grande. Tem umas que trabalham só de dia e outras só à noite."É impossível contar, porque a cada dia umas vão embora e outras novatas chegam. Só sei que são muitas", diz Cleide Nascimento de Almeida, 39 anos, que tem um título bem comprido: é coordenadora de projetos de DST/ Aids da Associação dos Moradores, Condomínios e Amigos da Vila Mimosa (Amocavim).
Cleide conta que a mesma dificuldade de contagem acontece em relação ao número de visitantes. "Tem dias em que passam mais de dois mil homens por aqui", afirma.A cara da vilaPara visualizar o lugar, imagine uma vila com casas bem ao estilo dos subúrbios cariocas. Agora coloque ruas bem estreitas, onde não passariam um carro. Em cada imóvel de dois andares, em vez de uma porta, um portão aberto com um bar e luz em neon vermelho ou azul atrás do balcão.
E agora coloque um teto de zinco em todas as construções. Esta é a Vila Mimosa, composta por 70 sobrados, uns colados aos outros e com corredores cobertos, formando uma edificação parecida com um shopping: quando se está lá, não dá para ver o céu. Não se sabe se é noite ou dia, se chove ou faz sol.
No primeiro andar ficam os inferninhos: bares e pequenas discotecas com 30 metros quadrados, em média. Nos andares superiores estão os cômodos, onde os clientes são atendidos. Em geral, cada casa possui 10 quartinhos.
Por tradição, não é permitido que travestis ou garotos de programa trabalhem na vila. A rua é barulhenta, cheia de gente e efervescente, e lembra o burburinho da Rua da Alfândega, ponto comercial bastante popular do Rio.
São mulheres dançando, caminhando languidamente, ou paradas, conversando com clientes. Elas estão sempre seminuas, com lingeries ousadas ou microshorts cavados. Muitas se enfeitam e usam maquiagem, saltos altos e roupas elaboradas.
Outras, poucas, não ligam para o visual e parecem entediadas ou forçadas a cumprir uma rotina indesejada.
A Vila não tem horário de funcionamento: o movimento é 24 horas por dia, sem parar. Não existem folgas, feriados, férias ou dias santos.
"Os clientes aparecem o tempo inteiro. Tem gente que só pode vir de manhã, outros à tarde, à noite, de madrugada, a qualquer hora", conta Cleide. No meio da confusão de meretrizes e clientes, se encontram turistas e curiosos, misturados a ambulantes vendendo doces, balas, bijuterias, maquiagem e roupas.
Casa e batalha
Além de local de trabalho, a vila serve de moradia para muitas garotas. Geralmente o motivo é evitar deslocamentos: a distância entre a residência e a "zona", como elas mesmas chamam, costuma ser grande.
Alessandra Camilo (foto), de 22 anos, mora e trabalha na vila de terça a sábado. De domingo a segunda, volta para casa na comunidade Fazendinha, em Inhaúma, para ficar com o filho Eduardo, de 4 anos.
"Quando estou na vila deixo o meu filho com uma senhora que cuida dele, já que o pai não ajuda em nada. Trabalho aqui para dar um futuro melhor para o Eduardo", conta.
Antes de ir para lá, Alessandra não tinha emprego. Semi-analfabeta, estudou apenas até a segunda série do ensino fundamental, e tem dificuldades para assinar o nome.
Era sustentada pela mãe, que fazia abortos clandestinos, até conhecer o pai de Eduardo, com quem foi morar. Há um ano a mãe morreu e Alessandra já tinha se separado do pai de Eduardo.
"Das poucas vezes em que consegui trabalho, não me pagavam nem um salário mínimo. Eu não tinha como sustentar o meu filho só com aquilo. Aqui chego a ganhar mais do que isso por semana", justifica.
O dinheiro também foi o que motivou a ida de Elaine Félix dos Santos, 19 anos, para a prostituição. Moradora de Belford Roxo, na Biaxada Fluminense, ela trabalhava como doméstica. Com sete irmãos, precisava de uma renda melhor para ajudar a mãe, e foi parar na zona aos 16 anos. Como Alessandra, ela também só estudou até a 2ª série.
Elaine diz que quer sair da prostituição um dia, e não tem boas histórias para contar. A lembrança mais recente é a de um cliente que, em meados de agosto, apontou-lhe uma arma para o rosto porque ela não quis fazer um programa com ele.
"O pessoal separou, os seguranças tiraram ele daqui, mas eu fiquei com muito pavor. Pode ser que um dia aconteça de verdade, que não dê tempo. Viver aqui é horrível", desabafa.
Na hora da segurança, tanto as prostitutas quanto Cleide fazem questão de ressaltar a diferença dos gerentes de casas da vila para os gigolôs e cafetinas comuns.
Todas garantem que as profissionais do sexo são livres para escolher se querem ou não fazer um programa, se vão ou não fazer um serviço com um determinado cliente, além de cada uma trabalhar apenas quando quer.
"Ninguém me obriga a nada. Só a polícia daqui que entra armada ameaçando a gente, e querendo programa de graça. Aí eles maltratam os gerentes também", denuncia Alessandra.
Mas a convivência entre prostitutas e gerentes, segundo elas, é amigável. Os proprietários se associam às meninas: elas oferecem uma certa "fidelidade" à casa, e recebem em troca segurança, descontos no aluguel dos quartinhos e as próprias acomodações.
Para os donos, quanto mais mulheres o local tiver para oferecer, e mais bonitas, mais clientes para beber e comer nos bares. Além disso, os gerentes alugam os quartinhos por R$ 5 por programa.
Muita inveja
As opiniões sobre a vida na vila divergem bastante. Para Alessandra, o dia-a-dia na zona é sofrido. "A gente tem que aturar muito homem abusado, violência e morte. Não existe união entre as garotas, rola muita inveja.
Se eu tivesse outra oportunidade de trabalho, sairia", desabafa. Alessandra cobra R$ 20 por um programa de 20 minutos. Segundo ela, o lucro por semana varia de R$ 350 a R$ 400.
Já para Jessica, 20, que "batalha" na vila há 1 ano e meio, o clima de trabalho é muito divertido. "Tenho muitas amizades e aqui eu consigo me distrair. É bem legal", afirma. Mãe de Iago Gabriel, de 8 meses, ela trabalha na vila de segunda a sexta.
O bebê fica com a avó, em Nova Iguaçu. Jessica não esconde a profissão de ninguém: "Toda a minha família sabe. E eu dou graças a Deus por ter um trabalho, poder me sustentar e não passar fome".
Independentemente das frustrações, as prostitutas também amam e a maioria já viveu seu dia de "uma linda mulher", como na história protagonizada pela atriz Julia Roberts no cinema.
Quando o assunto é amor, o comentário é praticamente o mesmo: muitas já se apaixonaram por um cliente.
A prostituta Vera, 24, que trabalha há dois anos na vila, conta que mantém um relacionamento de pouco mais de um ano com um empresário que conheceu no trabalho. "Ele até paga o meu aluguel. Minha mãe adora ele e a minha filha mais velha chama ele de pai.
Eu sou apaixonada, ele é o homem da minha vida", suspira. Ao mesmo tempo, o amor não significa aposentadoria da prostituição. "A gente se gosta mas ele é casado, então cada um leva a sua vida. Estamos bem assim", resume.
Alessandra conta que também manteve um relacionamento de sete meses com um cliente paulista. Segundo ela, o namorado a convidou para morar em São Paulo, mas ela não aceitou.
"Eu estava cheia de problemas com os documentos do meu filho, e por isso não tive como ir. Mas eu amava ele", simplifica.
A Vila e sua história
Não há uma data oficial para o surgimento da vila, mas sabe-se que aconteceu na primeira década do século passado e funcionava na Rua Pinto de Azevedo, no bairro do Mangue, no Estácio (Zona Norte).
Demolida pela Prefeitura, que construiu um centro administrativo no local, a vila se mudou para a rua Miguel de Frias, no mesmo bairro, já nos anos 1920. E lá permaneceu por 75 anos.
Em 1994, o Estado tombou o antigo prédio da TV Rio, vizinho da Vila. E aí começou uma batalha judicial que culminou, no ano seguinte, com a transferência para o atual endereço.
Com a chegada das garotas, algumas famílias que já moravam na região se sentiram incomodadas. Há relatos de que algumas prostituas chegaram a ser agredidas físicamente.
Foi aí que surgiu a Amocavim, cujo objetivo é colocar ordem na casa, oferecendo segurança para as pessoas que trabalham e freqüentam a Vila Mimosa.
A iniciativa já transformou em realidade antigos desejos das prostitutas: hoje a zona possui um salão de beleza, uma sala de bronzeamento artificial e um consultório dentário - e está prevista ainda a inauguração de uma agência bancária.
Para comemorar, a associação organizou, no ano passado, a primeira edição do concurso "Gatinha Mimosa".
A idéia era valorizar a auto-estima das meninas, já que as prostitutas geralmente são vaidosas e a aparência conta muitos pontos para o sucesso na profissão.
"Antes de desfilar, a gente foi ao salão de beleza para ser maquiada. Foi muito divertido", conta Vera, que ficou em terceiro lugar. Em outubro, a Amocavim promete inovar e realizar também o concurso Beleza Negra.
E mais: como associação, a Amocavim conquistou a possibilidade de diálogo e um certo respeito no tratamento com a prefeitura e a polícia.